HISTÓRIAS

HISTÓRIAS

Cartilha, chuva, borracha e café

Ela era uma menina curiosa que adorava aprender. A melhor parte do dia era entrar no ônibus todas as manhãs para ir à escola. Descia a grande escadaria da sua casa, cruzava o terreiro de chão batido e o portão de madeira, atravessava a rua de terra e ficava parada no barranco esperando o ônibus. A escola era de tábuas e só tinha duas salas. A cartilha tinha o caminho dos sonhos estampado na capa por onde um casal de crianças branquinhas e arrumadinhas com uniforme iam felizes para a escola. Mas o melhor de tudo era o cheiro. Que cheiro!  O cheiro da cartilha ao abrir. Ah!!! Que delícia aquele cheiro! Como era bom! Tão bom quanto o cheiro que subia da terra nos primeiros pingos de chuva caindo no terreiro ou da borracha apagando os erros dos textos escrito a lápis.
Ela achava muito bom esses cheiros. Então sempre que abria a cartilha a cheirava. Gostava de dias de chuva e apagar a lição pra fazer de novo... Só pra sentir esses cheiros. Era uma infância feliz lá pras bandas de Leopoldina na fazenda Bela Vista. Seu João Bêta, pai da menina, sempre brincalhão, apelidara a professora da filha de Ana Borboleta. De vez em quando a menina deixava escapar e a chamava assim embora soubesse que o nome da professora era somente Ana. Mas a professora não gostava, acho que porquê seu nome não era esse. Mas isso não tinha cheiro, então não era muito interessante para a menina. Nomes não têm cheiro! Que pena né?
Um belo dia dona Maria, mãe da menina, resolveu ensiná-la a fazer café. A água fervia no fogão de lenha vermelho que ficava ao lado da porta dos fundos da casa, na cozinha quentinha. A menina tinha que subir no banco de madeira para alcançar o canecão de água fervendo. Com uma pequena caneca de lata retirava aos poucos a água fervente do canecão e colocava dentro do coador de pano. Nessa hora subia uma fumacinha e um cheiro tão bom quanto o da terra molhada,  o da cartilha e o da borracha apagando  os erros. Um novo cheiro!
Um dia que não estava chovendo, não tinha lição para apagar e nem leitura na cartilha, ela resolveu que surpreenderia a mãe fazendo um café. Na verdade o que ela queria era sentir o cheirinho que subia quando a água fervendo passava pelo coador. Tudo arrumado, ela esperava a água ferver. Pegou a caneca pequena pra tirar água do canecão e plaft! A caneca caiu dentro dentro do canecão e plof! Ela enfiou a mão pra pegar a caneca e aaaaaaaiiiiiiiiii! Queimou a mão!

Bem... Daí ela ficou muitos dias em casa com um curativo na mão queimada, sem sentir o cheirinho da cartilha, sem lições para apagar e nem sequer o cheirinho de terra podia sentir, pois naqueles dias não choveu! Sorte a dela que todos os dias pela manhã e à tarde a mãe fazia café e ela ficava nos degraus da cozinha aguardando o cheirinho se desprender do coador.
ELIZABETH BÊTO

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